Olá gente...
Em tempos de avaliação, é preciso refletir sobre o trabalho pedagógico
e considerar os objetivos estabelecidos e as habilidades e competências
desenvolvidas.
Para tanto, pensar o processo avaliatório com um meio e não um fim
torna-se fundamental para a profissão docente em todos os níveis e modalidades
de ensino.
Assim, convido a leitura do metálogo abaixo no intuito de provocar a
reflexão sobre o tema.
Bateson, no metálogo “!Pai, quanto é que tu sabes?” discute com sua
filha, sobre a (im)possibilidade de mensurarmos o quanto sabemos. Os trechos
deste metálogo que descrevo a seguir oferecem subsídios para refletir sobre
questões referentes às práticas pedagógicas e aos processos avaliativos.
PAI, QUANTO É QUE TU SABES?
Filha: Pai, quanto é que tu sabes?
Pai: Eu? Hum! Tenho cerca de uma libra de conhecimento.
Filha: Não sejas assim. É uma libra em dinheiro ou uma libra em peso? O
que eu quero é saber quanto é que tu sabes?
Pai: Bem, o meu cérebro pesa cerca de duas libras e suponho que só uso
uma quarta parte dele, ou que o uso com cerca de um quarto de eficiência.
Portanto, digamos meia libra.
Filha: Mas tu sabes mais do que o pai do João? Sabes mais do que eu?
Pai: Hum! Conheci uma vez na Inglaterra um rapazinho que perguntou ao
pai: “Os pais sabem sempre mais que os filhos?” e o pai respondeu: “Sim”. A
pergunta seguinte foi: “Pai, quem inventou a máquina a vapor?”, e o pai disse:
“James Watt”. Então o filho respondeu: “Mas então por que é que não foi o pai
dele que a inventou?”
Filha: Isso já eu sabia. Sei mais que esse rapaz porque sei por que é
que o pai de James Watt não inventou a máquina a vapor. Foi porque outras
pessoas tiveram de pensar noutras coisas antes que alguém pudesse fazer uma
máquina a vapor. Quero dizer que qualquer coisa como... Não sei... Mas teve de
haver outra pessoa que descobrisse o óleo antes que alguém pudesse fazer um
motor.
Pai: Sim, isso estabelece a diferença. Quero dizer que isso significa
que todo conhecimento está como se fosse um tricô, uma malha, como se fosse um
tecido, e que cada peça do conhecimento só faz sentido ou é útil por causa das
outras peças e...
Filha: Achas que o devias medir a metro?
Pai: Não, não acho.
Filha: Mas é assim que se compram os tecidos.
Pai: Sim, mas eu não disse que era tecido. É só parecido, e certamente
não é plano como o tecido, mas em três dimensões, talvez quatro.
(...) O que nós temos que pensar é como é que as peças do conhecimento
estão entrelaçadas umas nas outras. Como é que elas se ajustam umas às outras.
Filha: (...) Pai, já alguém mediu alguma vez quanto é que qualquer
outra pessoa sabia?
Pai: Oh, sim. Muitas vezes. Mas não sei exatamente o que é que esses
resultados querem dizer. Eles fazem isso com exames e testes e questionários,
mas é como tentar saber o tamanho duma folha de papel atirando-lhe pedras.
Filha: O que é que queres dizer?
Pai: Quero dizer que, se atirares pedras a duas folhas de papel à mesma
distância e acertares mais vezes numa que na outra, provavelmente aquela em que
acertaste mais vezes é maior que a outra. Da mesma maneira, num exame atiras
uma série de perguntas aos alunos e, se acertares em mais pedaços de
conhecimento num aluno do que nos outros, então pensas que esse aluno deve
saber mais. É essa a ideia.
Filha: Mas podia medir-se uma folha de papel dessa maneira?
Pai: Claro que se podia. Até seria uma boa maneira. Medimos uma série
de coisas desse modo.
Filha; (...) Mas então, porque é que não podemos medir o conhecimento
dessa maneira?
Pai: Como? Por questionários? Não. Que Deus Nosso Senhor nos proíba. O
problema é que esse tipo de medida deixa de fora o teu ponto: que há tipos
diferentes de conhecimento e que há conhecimento acerca do conhecimento.
Deveríamos dar notas mais altas aos estudantes que respondem às perguntas mais
gerais? Ou talvez devesse haver um tipo diferente de notas para cada tipo
diferente de perguntas.
Uma das questões que pode ser extraída desses fragmentos do metálogo de
Gregory Bateson é sobre a necessidade de questionar se é possível saber o
quanto sabemos e, sobretudo, quanto sabem os outros, ou seja, é questionar
sobre a possibilidade de mensuração do conhecimento. Compartilhando da ideia do
autor em relação ao conhecimento ser como um tricô, um tecido que só tem
sentido ou é útil quando tramado com outras peças, acredito que é possível
relacionar essa reflexão com o tensionamento atual que os processos avaliativos
causam à prática pedagógica.
Nossos conhecimentos se tornam saberes quando conseguimos relacioná-los
com as nossas experiências construídas nas relações interpessoais e, nesse
sentido, qualquer forma de avaliação da aprendizagem dos alunos se torna
arbitrária, pois, dificilmente, algum instrumento ou método utilizado para essa
ação irá contemplar todas as possibilidades de relações construídas no ato de
produção do conhecimento.
Não há como medir o conhecimento, o que é possível é investigar as
ferramentas que os sujeitos utilizam no processo de construção do conhecimento.
A noção de que avaliar é medir o quanto o outro sabe é tão arraigada que mesmo
que tenhamos consciência de sua impossibilidade, essa parece a maneira mais
“fácil” de mostrar aos professores, alunos e pais como a criança “está” na
escola: bem ou mal.
Nem todos os fenômenos podem ser medidos, representados através de
denominações numéricas, o desenvolvimento das crianças referentes à construção
de conhecimentos é um exemplo dessa impossibilidade de mensuração. Há um
equívoco ao se tentar reduzir a complexidade do processo de construção do
conhecimento a uma prática de medição. A questão problemática nessa discussão
não é somente acerca da utilização dessa maneira de representar a aprendizagem
do aluno, mas questionar quais são os critérios, os instrumentos, as
intervenções que estão em jogo no processo avaliativo.
Será que todos nós, educadores, estudiosos e pesquisadores, temos
consciência da necessidade de se ter clareza diante dessas questões?
Paulatinamente, instrumentos de medição da aprendizagem são utilizados pela
escola dando a falsa ideia de que, avaliar é medir e, pior, que medindo, temos
o conhecimento sobre o conhecimento dos outros.
Gregory Bateson ressalta que muito se fala sobre conhecimentos, mas
pouco sabemos sobre o conhecimento, ou seja, pouco nos movimentamos na direção
de tentar compreender como se constrói o conhecimento, como se desenvolve esse
processo que cada um estabelece para si.
A prática pedagógica que tem como objetivo impulsionar as aprendizagens
de todos os alunos incita o professor a compreender a respeito de como os
alunos podem entender aquilo que lhes é ensinado, já que compreendendo o
processo de aprendizagem, pode-se avançar na compreensão sobre a construção de
conhecimentos com intuito de melhor intervir nas elaborações realizadas pelos
alunos.
O metálogo utilizado-Pai quanto é que tu sabes? - pode ser encontrado
na íntegra em: BATESON, Gregory. Metadiálogos. Trajectos. Lisboa: Gradiva, 2
ed, 1989, p. 37- 45.
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Postado Por Michel Assali